domingo, 28 de junho de 2009

A falta.


“Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar essa pessoa de nossos sonhos e abraçá-la.” - Clarice Lispector.

A vida é curta e se exaspera bem diante da gente. E, às vezes, só nos damos conta do fim dela muito tempo depois do fato. É assim... E, de repente, um dia você olha e aquele abraço apertado que quase quebrava suas costelas virou memória.
Os passeios no 'fuquinha' que nunca tinha o banco do passageiro, sentar na caçamba daquela caminhote vermelha e escutar o barulho dos parelelepípedos enquanto a velocidade aumentava. Dos três carros na garagem que só você iria dirigir.
Chocomilk, pra mim, só o que tomava com você no balcão do bar. Sinuca? Ninguém nunca jogou melhor! Sítio só existe na minha infância por tua causa, e só assim que aprendi o que era quirera, açude e flor de laranjeira.
Hoje admito que me encontro em você muito mais do que eu imaginava. Nessa vontade de ser grande, de ser notada. Nesse gosto excêntrico por música, cinema, literatura, quadrinhos e caxeta. Até quando viajo eu te encontro no caminho... nos hotéis que você se hospedou e nos lugares que gostaria de conhecer.
Nunca entendi muito bem a tua ânsia pela modernidade quando era mais nova. Achava engraçado você querer saber do funcionamento de coisas que talvez nunca viesse a conhecer ou utilizar. Só quando parei pra escutar um pouco mais da tua história que fui entender essa tua fascinação pelo novo.
Esses tempos, encontrei um cartãozinho que você e a vó tinham escrito pro meu aniversário, com a sua letra. A mesma letra que estava nos livros de contabilidade dos teus tempos de banco e nas agendas em que você simplesmente dizia 'hoje choveu' ou 'hoje fui para o sítio'.
Me segurei pra não chorar quando a vó me contou que eu era única pessoa que você deixava entrar no escritório. E como eu gostava daquele cômodo. Sentar na tua cadeira preta e me fingir mais velha, mais madura, mais próxima de você... passei horas fazendo isso durante toda minha infância. Deve fazer mais de um ano que não entro lá.
Mais velha, lembro das histórias que ouvia da minha mãe. Do teu jeito boêmio, amante de carnavais e festas no clube. Do ciúmes que minha avó sentia. Dos negócios inconstantes e da infância pobre. Me lembro da tua presença, do cheiro, das roupas, da cor do cabelo e sinceridade do riso. Do teu lugar na mesa durante o almoço, sempre de frente pra mim.
Mesmo não sendo a primeira, a tua perda foi a mais sensível. Ver de perto todo o fim e a forma como quase me alienei pra esta realidade. Sempre ali, mas sempre buscando estar distante, não querendo sentir a tua ausência prenunciada. Tentei até negar que você gostava de mim, pra ver se fazia mais sentido eu não querer chorar. Mas, sabe vô, acho que era tudo uma maneira de tentar atrasar a tua perda. Aquela que me tomou de arroubo no fim do velório. Tentei até conter as lágrimas para não parecer exagerada, mas era inútil. Elas não queriam parar e acabavam saindo mais alto e soluçadas do que nunca.
Dormir na tua cama não era estranho nem desconfortável. Era um refúgio, era bom. Sonhava muito com você quando dormia ali. Hoje já não durmo mais lá como fazia logo depois da tua partida. Também não te encontro mais tanto em meus sonhos mas, quando o faço, nunca é um sonho ruim ou angustiado. É sempre bom, daqueles que você tenta se agarrar quando está prestes a acordar. Acordo feliz e meio aliviada de saber que não foi a última vez que te vi, ainda que não pudesse te abraçar.

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