sábado, 12 de junho de 2010

A Porta

Abriu a porta e fechou bem rápido. Tão rápido quanto sua memória conseguiu alertá-la das conseqüências de abrir aquela porta. Ficou imóvel segurando o trinco pelo lado de dentro, com a respiração ofegante e o coração batendo em arritmia. Não sabia há quanto tempo estava lá, mas imaginava que não poderia ser muito, afinal, o lado de fora continuava quieto. Apenas o barulho do motor do carro ligado. E enquanto o tempo não se esvaía por completo (teria ele notado que ela tinha aberto a porta?), Vitória apenas pensou.
E não era um pensamento corriqueiro – como uma ponderação quanto à escolha do batom – era um pensamento confuso e indeciso, pois ela queria mesmo era saber se deveria abrir a porta. Afinal, era aquele pedaço de madeira maciça que a separava da realidade. Ao abrir a porta, eles se olhariam e a presença daqueles dois corpos naquele momento seria suficiente para que nascesse uma paixão violenta e desorientadora. E nada mais seria igual. Nem o viço de sua pele, seu andar delicado ou o seu sorriso torto. Nada restaria intacto como antes. E todos aqueles detalhes que ela odiava sobre ele seriam as únicas coisas que ela conseguiria lembrar por muito tempo.
Sentiu como se tivesse que fazer uma ligação importante, em que rezava para o interlocutor nunca atender para que pudesse se safar do fardo. Mas este era um fardo completamente diferente. Pois, mesmo sendo sério e pesado, aquele seria um peso do qual se tem orgulho de carregar.
E naqueles segundos, Vitória ponderou sobre o que tinha acontecido até agora. E como tinha chegado ali. Lembrou-se de Guilherme, seu antigo eterno amor, e de como havia prometido ser fiel ao sentimento que nutriu por ele, mas se sentiu traída ao perceber que nunca seria recíproco. Pensou daí em como este homem que esperava do lado de fora ficava calmo diante da sua histeria e de como ele aceitava sua dualidade com prazer. Pensou no futuro e sentiu-se serena.
Abrir aquela porta dava a ela mais uma (última) chance para um novo amor. Poderia fazê-lo rápido ou devagar, mas abrir era inevitável. Pois tudo se armou para aquele momento e, agora, seria muita covardia de Vitória desistir. E ela não queria ser covarde. Já tinha sido covarde o suficiente para uma vida inteira e sabia do gosto amargo que aquilo tinha.
Escutou um barulho de longe e, ainda que distante, percebeu que lembrava muito o som de uma buzina. Apavorou-se ao ver que ainda estava parada do lado de dentro, com as mãos sobre o trinco da porta. Outro som que lembrava uma buzina. Vitória pensou que deveria se apressar. Esticou a mão esquerda e pegou as chaves que descansavam em cima do aparador da sala. Decidiu que iria abrir a porta devagar, mas que o receberia com um sorriso.

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